exposições - "O Eco... E o Azul profundo da Casa do Lago"

2 Março - 31 Março 2010

Galerias: MAC álvares cabral

Artistas: Ricardo Paula

Gosto de sentir assim o frio do chão de pedra, na cara, o tecido branco prolonga-se pela porta entreaberta e espraia-se pela terra até ser o azul de chumbo do lago, a ser um imenso lençol, os pássaros fazem voos rasantes para traçarem sombras e cortarem o silêncio com sons que abrem o espaço e permanecem no eco, o sol levanta reflexos leves e duros, que me cegam no branco, para te ver ao longe na margem do lago, a caminhar entre uma espécie de filigrana inquieta de luz e vultos, construída pelo vento, pelas árvores e por ti. Enlouqueço no sol e no ar da manhã. Adormeço no entardecer. E suicido-me no teu toque lento, e caio, neste doce abismo da noite. (Ricardo Paula) ____________________________________________________________________ Ora exuberante ora como relâmpago de silêncio e desespero, simbiose de céu e terra, realidade e imaginação, prisão e liberdade, a Mulher é a essência da pintura de Ricardo Paula, onde o ser é elevado da sua redutibilidade física a esferas de grandeza e de místico conteúdo alegórico. O seu rosto, por vezes encoberto e indefinido ou acentuado com traços fortes e marcantes, situa-se no limiar do intraduzível real e conduz-nos de imediato ao mundo próprio do artista. As formas despidas, o jogo da geometria, da luz e da emoção não impedem a existência de uma tensão, uma dissonância íntima que introduz a sensualidade e explica o prazer que sentimos ao contemplá-las. São sonhos que conhecemos sem os ter sonhado, sugestões de fantasia, testemunhos imaginados, como que um sussurrar de segredos, fruto da sua força plástica e do uso sábio da neutralidade da cor. A pintura de Ricardo Paula constitui um elo entre a pureza do traço e a beleza das formas. É algo não só peculiar, mas até mesmo magnífico, uma visão toda nova e toda sua de engrandecer e a enriquecer o nosso olhar e a maneira de percebermos as coisas e o universo em que vivemos. Há, não só, o espaço que apenas com o olhar se vislumbra, mas há também e sobretudo, a sugestão das coisas que contemplamos sem as vermos. O seu silêncio é uma forma de absoluto anseio da totalidade perdida. E é nesse silêncio diluído das telas, nessa nudez quase branca que surgem agora as tímidas vozes que habitam “o eco... e o azul profundo da Casa do Lago”. E já não sabemos se são recordações que julgávamos perdidas ou simplesmente apelos contidos das nossas emoções, onde gentes e objectos estão presentes por detrás das telas, onde nada sobra, nem um só traço que não seja essencial. Ricardo Paula traduz com pujança incomum a sua nítida visão pessoal, numa coerência em que as personagens são subtilmente diferenciadas através das cores incisivas e da dinâmica do traço: inscrevendo linhas viris e bem visíveis, sobretudo na maneira vigorosa de sublinhar o desenho, a sua pintura denota uma vontade e um querer impositivos. A composição severamente estruturada e as relações cromáticas são inovadoras de contrastes e plenas de vigor e originalidade. A textura é utilizada com sabedoria, matiza a emoção do artista e confere densidade à pintura. Com este inventário deixado pelo prazer e pelo abandono, com todas as notas tiradas à margem como fragmentos de vida, Ricardo Paula cumpre, entre a inovação e o aperfeiçoamento progressivo das suas formas, um compromisso entre o imaginário e a humanidade que se pressente nos gestos e na expressão do quotidiano. (Álvaro Lobato de Faria / Zeferino Silva)